19 September 2008

Black Summer

Argumento: Warren Ellis

Desenho: Juan Jose Ryp

Editora: Avatar Press


Numa altura em que a política voltou a ser tema nos comics de super heróis onde estes apresentam os seus argumentos ao sabor de pontapés e socos, Warren Ellis criou uma mini série política onde o tema de super heróis é mais uma vez analisado a uma nova luz.


A premissa desta série e muito simples e ao mesmo tempo controversa: se a tarefa de um super-herói é deter o crime sempre que o encontrar, não poderá esse super-herói deter um governo corrupto?

John Horus é o elemento mais poderoso dos Seven Guns, um grupo de super humanos que adquiriram “melhoramentos” de forma artificial e que se dedicaram a livrar a sua cidade de toda a corrupção, drogas e gangs.


Justificando-se com o facto de o governo dos EUA ter falsificado as eleições e ter entregue a segurança da nação a empresas privadas de segurança que contratam mercenários enquanto os soldados americanos morrem numa guerra baseada em mentiras, John Horus assassina o presidente e vice-presidente na véspera das comemorações do Dia da Independência exigindo eleições livres e um novo começo para o país.

Acontece que quando alguém ameaça o governo dos EUA, a resposta não se deixa esperar. Não querendo correr o risco dos outros Guns estarem envolvidos apesar das garantias dadas por John Horus, o primeiro alvo a abater é Tom Noir. Este é o mais inteligente dos Seven Guns que abandonou a prática quando uma bomba lhe custou uma perna e matou a sua colega e namorada Laura Torch mantendo os seus melhoramentos/poderes desligados há mais de um ano não sabendo se ainda funcionam.


Com o exército a invadir a cidade mas não se arriscando a atacar frontalmente os Guns, estes resgatam Tom Noir e procuram abrigo abrindo caminho de forma espectacular. Acontece que existem outros jogadores que querem os Guns destruídos. O primeiro alvo (falhado) foi Tom Noir. Com esta reunião dos restantes 5 Guns, uma força de vários agentes com melhoramentos semelhantes aos Guns são destacados para abatê-los dando azo a espectaculares, destrutivos e sangrentos combates ao longo dos 7 números desta mini série.



Black Summer é uma mistura de temas. Numa primeira vista, a ideia parece (mais uma vez) ser os super heróis a trocar argumentos e a tentarem mostrar a melhor opção política ao soco e pontapé. De facto a série está cheia de combates grandiosos mas a verdadeira mensagem está em certas críticas que o Warren Ellis faz aos EUA. Sendo um escritor inglês, Ellis consegue o distanciamento necessário para fazer uma análise política e uma forte critica aos EUA na sua intervenção no Iraque.


Esta série também consegue ser uma profunda reflexão dos super heróis: qual é a linha moral que divide os actos de um super herói dos de um criminoso?; com acesso a poderes incríveis, os heróis não conseguiriam semelhantes resultados sem recorrer à violência?; à semelhança de Watchmen, quem é que poderá controlar estes super seres e saber se não terão enlouquecido?; como é que um herói define quais são os limites aceitáveis para quebrar a lei por aquilo que considera ser certo?.

Uma nova perspectiva dada aos super heróis, resultado de uma aposta que o Warren Ellis fez com o editor da Avatar como poderão ler no texto introdutório da série.


O desenho de Juan José Ryp é extremamente detalhado. Tem um nível de pormenores que faz lembrar o de Geof Darrow mas a um ponto de quase saturação da página sem deixar de a sobrecarregar demasiado. A minúcia é tal que quase se poderia reconstruir um vidro partido a partir de todos os pedacinhos que foram desenhados. O mal dele é que não consegue transmitir movimento em muitas vinhetas. Ao desenhar um simples pontapé, o desenhador parece ter as personagens em pose e estar mais preocupado com desenhar os efeitos desse mesmo pontapé do que mostrar movimento e impacto. Ainda assim o extremo detalhe dos desenhos valem uma segunda leitura para apreciar alguns pormenores (exemplo, numa splash page de completo massacre, a um canto, muito pequenino, temos o SpongeBob).

10 September 2008

Breaking the Fourth Wall

Argumento: Grant Morrison
Desenho: Chris Weston
Editora: Vertigo

The Filth é uma expressão do calão britânico que designa a polícia. Filth também pode designar algo pornográfico, sujo. The Filth é também outro nome dado à agência The Hand, uma organização secreta que se dedica a manter o “Status: Q” (status quo) da Humanidade livrando-a de tudo o que é aberração, perverso, não natural, e que representem uma ameaça com que as pessoas ditas normais não podem ou não querem lidar.

Greg Feely é um solteiro viciado em pornografia e obcecado com o seu gato Tony. Os seus vizinhos acham-no estranho e, além disso, é suspeito de ser pedófilo. Mas Greg não é mais do que um para-persona, uma identidade falsa dada a Ned Slade quando este se reformou da Hand e lhe limparam a memória. A sua reforma foi interrompida porque a ajuda dele é necessária para combater novas ameaças e é designado um substituto para tomar conta do gato e seguir com a vida normal de Greg para não levantar suspeitas.

Mas acontece que Greg não se lembra nada da sua anterior vida como Agente Slade. A explicação tantas vezes repetida pelos agentes da Hand é que na sua última missão, Slade sofreu um trauma que o fez esquecer-se da sua existência anterior como agente e agarrar-se demasiado à para-personalidade de Greg Feely.

Slade é enviado para diversas e estranhíssimas missões: acompanhado por um chimpanzé comunista que não gosta de humanos e que se gaba de ter matado JFK, tentam impedir as maquinações de Spartacus Hughes, um ex-companheiro de Slade agora classificado como anti-person; impedir uma arma biológica criada por um realizador de filmes pornográficos a partir do sémen negro de Anders Klimakks, outro anti-person que consegue até engravidar uma mulher de 75 anos!; nano tecnologia criada para ajudar a Humanidade que vivia num mini planeta idílico até esse equilíbrio ser brutalmente destruído por Spartacus com consequências que se repercutem no resto do livro.

E sempre rodeado de suspeitas sobre o verdadeiro papel da Hand e dos seus agentes incluindo ele mesmo, Slade a dada altura rebela-se contra a agência e descobre algumas verdades sobre a mesma, sobre a realidade como a conhecemos, sobre a(s) sua(s) própria(s) identidades que ele sempre pôs em causa, sobre o poder que a ficção tem de criar novos mundos.
The Filth é uma leitura estranha e difícil onde as aparências enganam sempre. É um murro mental que promete muitas dúvidas e onde se toca em imensos temas como realidades alternativas, crises de identidade, teorias da conspiração e ainda certas paródias e reflexões sobre os super heróis.


Destas paródias destacam-se os fatos utilizados pelos agentes da Hand que são muito garridos e ridículos de forma a mexer com o inconsciente de quem os vê e fazê-los esquecer do que viram (algo à semelhança da luzinha utilizada pelos Men in Black). O conceito da BD de super heróis é também palco de uma das cenas mais estranhas e geniais deste livro onde, à semelhança de Watchmen do Alan Moore onde existe uma BD (a dos piratas) dentro da própria BD que é o Watchmen, em The Filth existe um meio de alguns agentes “mergulharem” no mundo de uma BD para resgatar instrumentos que possam usar na realidade sendo esta realidade, uma realidade criada por uma personagem. Confuso? Sim, muito! Imaginem que era possível mergulharem dentro dos acontecimentos de um comic que têm lá por casa e saírem quando quiserem trazendo coisas de lá. Este método é utilizado pelos agentes na sede da Hand estando esta situada numa realidade alternativa/paralela aparentemente criada por um ser misterioso que mais tarde é revelado para grande surpresa do leitor.

A esta técnica de escrita chama-se fourth wall e pode ser encontrada nas reflexões acerca das Crises na DC e também noutras obras onde a personagem sabe que é uma personagem numa estória e dirige-se ao seu criador ou ao leitor. Aqui é usada numa forma ainda mais complexa onde existem várias "quebras" da fourth wall mas sem se dirigir ao leitor.

É um livro que convém reler várias vezes para captar os sentidos da estória e onde se descobrem sempre coisas novas a cada nova leitura.
Este livro é um mergulho num verdadeiro festival esquizofrénico onde abundam a pornografia, drogas, muitos palavrões e violência gráfica que não estão ali por acaso. Por mais confuso que tudo seja, há sempre uma finalidade.


Quase que se podia dizer que este livro é Grant Morrison usando drogas duras e sem qualquer tipo de censura por parte da editora. Ainda assim o livro peca por ser confuso numa primeira leitura mas, como fica a fazer comichão mental, as releituras são bem vindas e com um pouco de ajuda, descobrem-se sempre mais pormenores e outros sentidos escondidos. Penso que um maior número de páginas por comic ajudava o livro a ter espaço para se desenvolver melhor e deixar o leitor respirar.

As capas são de Carlos Segura e pode-se dizer que são no mínimo extraordinárias. Todo o livro é apresentado como sendo um medicamento (até contém nas primeiras páginas o modo de utilização como os verdadeiros medicamentos onde se descrevem efeitos secundários, recomendações, posologia, composição, etc.) com um grafismo que faz lembrar simples caixas de medicamentos.

Os desenhos de Chris Weston cumprem o objectivo. São simples, eficazes e realistas mesmo num ambiente de completa maluqueira onde se vê de tudo.